Tá lembrado da Onda Reversa? Na semana passada compartilhamos nossa visão do que temos observado no Brasil em termos de comportamentos e seus desdobramentos. Batizamos de Onda Reversa, a trend que revela uma inversão no sentido do fluxo que costumava acontecer de dentro para fora. Essa onda que por um bom tempo impôs comportamentos e plásticas do mainstream para as “bordas” agora faz o caminho contrário. A periferia, as maiorias inferiorizadas e os grupos colocados às margens respondem com total força – conceitual e estética – a essa chamada. Empoderamento de suas histórias, seus valores e culturas populam as ruas do centro com seus movimentos, embalam as músicas com seu som, chocam nomes da alta costura com o frescor da sua liberdade autoral, surpreendem os designers e arquitetos com a sua simplicidade inventiva embotada de tradição.

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Rico Dalasam é sem dúvida um protagonista dessa onda. O rapper nascido e criado no Taboão da Serra uniu a sua vivência da periferia com o gosto pela música e moda para criar um projeto que inspira, não só pelo som, mas pela construção da sua imagem como um todo. Dalasam ficou conhecido no mainstream por ser o primeiro rapper assumidamente gay do Brasil ao emplacar seu primeiro single “Aceite-se” (2014), que propõe que todos se aceitem e aceitem também o outro, o diferente. “Seja o gay, o negro, o religioso, o rapper, o policial, seja quem for que ouça esse som e se aceite mais, sem atravessar o samba de ninguém, até porque boa parte da sociedade é no mínimo duas dessas coisas (risos).” (Em entrevista para o virgula.uol).

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A força com que quebrou seus “muros” e seu gosto apurado por uma estética autoral – mix de referências do mundo e do Brasil – chamou atenção de profissionais da música, moda e comportamento. No primeiro ano que colocou a cara no mundo, foi convidado para fotografar para Vogue e GQ americanas.

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“Nós podemos produzir as mesmas coisas que eles (norte-americanos), mas o jeito que a gente edita é outro, pautado no jeito que a gente vive, no nosso clima”. Rico fala sobre o destaque que recebeu no festival Afro Punk.

No dia 3 de Junho, Rico Dalasam lançou seu primeiro álbum – ORGUNGA – que significa o orgulho que vem após a vergonha – no Auditório do Ibirapuera. E nós batemos um papo exclusivo com ele antes do show.

Ele chegou sem timidez no camarim arrumando grampos nos cabelos e a gola do casaco. Aguardávamos o “close” e a conversa com o personagem que nos encantou pela estética tão individual aplicada aos figurinos, filmes e fotos. Ele, também sentindo a ansiedade de subir ao palco para mostrar o tão aguardado álbum, contou pra gente da trajetória, da bagagem cultural e da necessidade criativa de quem tem pouco recurso e muita ideia para materializar.

A importância da imagem

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“A imagem é tudo que eu quero falar na hora que estou quieto”. Assim ele revela o porquê seu caráter se transmite por meio da estética. Afinal, contar histórias vai além da fala. Roupas, cabelos, decoração de casa. Ele usa o seu estilo e sua música como fortes elementos para narrar sua trajetória e transmitir sua mensagem. Nesse sentido as mensagens são diferentes e da mesma forma seus personagens também são cambiantes.

Dalasam cita Nicki Minaj como inspiração de celebridade que assume “personas”: “para músicas mais rap, mais gangster, ela vai trazer a tal personagem. E aquela personagem sai de cena para dar lugar a uma guru espiritual black se a música pede por isso e outra hora volta aquela ganster.”

Definir um estilo, uma imagem, seria impossível. “Eu não consigo estar preso a estabelecer uma única imagem e viver ela com as suas mínimas variações porque eu não sou pleno nesse quesito. E isso que dá uma inquietação para poder criar.”

O casaco com chinelo, a inspiração vem das raízes e das buscas pessoais

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Para Dalasam, o que faz as coisas ficarem autênticas é o que se apropria das origens de cada um.

“É a blusa de frio com chinelo, tá ligado? Isso ajuda muito a construir a imagem que não é uma, é um apanhado de referências, porque eu nunca estou estável.”

A gente concorda: o que faz uma peça, uma criação, um móvel ser único? É a pitada da criatividade pessoal e da sinergia entre a estética como uma referência da bagagem do criador provinda de uma inquietação ou de uma vivência. A beleza brasileira acontece no mix de tudo o que somos.

A capa do disco Orgunga, por exemplo, foi uma criação que aconteceu assim: O rapper decidiu criar o figurino com fibra sintética, que imita cabelo, comprada na 25 de Março, centro de São Paulo. O resultado é belo e autoral.

“Minha mãe é cabeleireira e eu faço isso desde os 13 anos, a minha relação com o cabelo é muito forte. Eu fui lá no centro, comprei um monte de fibra que são uns cabelos loiros e fiz a roupa, é a minha versão Brasil, mas pode ser Marghela. Se eu falar que isso aqui é do sei lá quem, as pessoas vão acreditar que é do sei lá quem. Mas eu construí.”

Dalasam vai além e cita suas buscas que vão além das vivências: admiração pela Ásia Meridional.

“Muito do que eu penso quanto a estética para o meu trabalho vem da cultura indiana. A sonoridade de Dalasam tem esta referência e é uma música que acontece na mesma temperatura que a o norte e nordeste e muitos instrumentos da música dos países de lá, como Índia e Sri Lanka, são primos de instrumentos brasileiros do frevo, por exemplo.”

A própria sonoridade – Da la sam – vem daí.

O que é design?

Rico Dalasam é sem dúvida um agente transformador da nossa cultura e, para nóso design está presente na plástica do seu som e da sua imagem. Perguntamos para ele então: o que é design pra você? Pausa – não porque essa pergunta lhe pareceu difícil, mas porque procurava as palavras precisas:

“design é quando a disposição das coisas fazem sentido ao modo de vida.”

Confira o vídeo da entrevista aqui: